
A nossa memória vai insistindo, insistindo e vão ressurgindo, os cheiros, as cores e os gestos de há anos atrás de quando éramos crianças. Então surgem as pessoas que nos
rodeavam, o som da sua voz, o seu andar , as suas conversas de fim de tarde soalheiras
nos degraus das casas. O cheiro da sopa, o cheiro do sabão azul e branco, o cheiro dos colchões de palha de milho, o depenar das galinhas em agua fervente, o som da agua do açude sempre cantando, o som do sino da igreja. E por fim os gestos de pôr o cantaro à
cabeça, o gesto de lavar a roupa no rio, de estender a roupa na corda, da ída à oração da
noite, dum beijo roubado só presenciado por quem de confiança, enfim, uma estória sem fim quando nos pomos a recordar.
Extratemporal sempre fui, tinha necessidade de me antecipar ao tempo, por isso fui a ùnica
rapariga a tomar rédea do destino diferente de todas as outras da aldeia, saindo para trabalhar numa cidade distante ,sózinha o que na altura era quase impensável e foi a
recordar esta minha coragem que me vieram à memória todas as outras.
Breve
Tão breve como um bater de asas
Vertiginosa como vento que assobia
A Vida que é fogo já sem brasas
Fogueira agonizando de melancolia.
Perde-se num mar de emoções
Onde o tempo passa sem tempo, inquieto
Dissipa-nos da mente as recordações
Tem-nos cativos, num destino incerto.
Restam da vida, cinzas mortas, apagadas
Só se ouvindo murmúrios sem cadência
Solidão, dor e lágrimas resignadas
A memória é já grão de loucura
Tudo o resto se apaga na ausência
Só o olhar, guarda ainda alguma ternura.